O fim de ano é marcado pelas formaturas escolares, mas nas comunidades tradicionais de Ilhabela esse momento tem um significado ainda mais especial. Para que os estudantes das escolas de Guanxumas, Porto do Meio (na Ilha de Búzios), Serraria, Bonete, Castelhanos, Praia da Fome e Ilha de Vitória possam alcançar esse importante marco em suas trajetórias escolares, uma equipe de profissionais de educação se dedica o ano inteiro.
Desafiados por mares revoltos, ventos fortes, pedras e escadarias íngremes com quase 400 degraus, esses educadores superam obstáculos diários para levar a educação às comunidades tradicionais.
Para alcançar a Ilha de Vitória, por exemplo, a professora Rita Cassia Sant Ana precisa percorrer 40 km pelo mar. Experiente, tendo lecionado em diversas escolas das comunidades, ela destaca que o maior desafio está na adaptação da metodologia. "Sempre precisamos olhar com um carinho maior para essas crianças que apresentam uma defasagem no aprendizado. Com isso, precisamos sempre complementar o ensino com foco na realidade desses alunos", conta.
Patrícia Rúbia dos Santos Souza, natural da Comunidade do Bonete, dedica-se há 23 anos à educação local como professora na Escola Municipal Antônio Honório dos Santos, que homenageia seu avô. Juntamente com seus pais, Rubens e Maria Neuza, também nascidos no Bonete, ela compartilha sua experiência sobre como ensina os conteúdos de matemática aos alunos da comunidade. "Quando vou ensinar, sempre contextualizo com a vivência deles. Não adianta usar exemplos de lugares que os alunos não conhecem. Para que, de fato, o aluno aprenda, é preciso trazer o mundo deles para a escola. E tem dado certo, graças a Deus", comenta.
Patrícia acredita que seu pertencimento ao local seja seu maior aliado na hora de conquistar os alunos. "Eu conheço todos eles, e eles conhecem a minha fala, assim como eu conheço a deles, porque nossas vidas são iguais. Minha infância foi aqui, assim como a deles. Falamos a mesma língua!", afirma.
A professora Vanessa de Oliveira Santos vê como um privilégio o fato de poder lecionar no mesmo lugar onde cresceu e onde seus antepassados viveram. "É um presente vivenciar todos os dias o que meus pais, avós e bisavós vivenciaram, que é a educação tradicional caiçara, e poder dar um pouco do melhor que eu posso para os meus alunos. É importante ter o respeito às tradições", conta.
Natural da Comunidade de Castelhanos, Vanessa sente uma proximidade especial no dia a dia com os alunos. "Acabo sendo a tia, a professora, a amiga. Convivo muito com eles, pois, além de estar na escola, estou na comunidade todos os dias. Se vou ao rio, sempre ouço: 'Olha a 'profe', lá!'. Se vou ver o pessoal arrastando as redes, dizem: 'Olha a 'profe', lá!'. E é assim que acabamos sendo a 'profe' de toda a comunidade", conta.
De família tradicional da Ilha de Búzios, Benedita Aparecida Leite Costa, carinhosamente conhecida como Ditinha, compartilha a importância da escola onde várias gerações de sua família já passaram. Ela lembra com carinho da professora que mais tempo atuou na comunidade. "Falar da escola é lembrar da professora Neide, que ficou conosco por mais de vinte anos. Ela era muito mais que uma professora; era um exemplo para todos, uma verdadeira autoridade na comunidade. Todos a respeitavam", recorda.
Coordenando a equipe, Shirley Martins é a diretora das oito escolas municipais das comunidades tradicionais de Ilhabela. "As escolas são o coração dessas comunidades. Todos os eventos, festas e reuniões acontecem nelas. Tudo se centraliza na escola, que é o que temos de mais precioso nas comunidades, depois das igrejas", explica.
Em dois anos de trabalho, Shirley tem visitado constantemente as escolas mais distantes e esteve presente em todas as formaturas, enfrentando uma verdadeira maratona pelo mar, de onde considera ter extraído valiosas lições para a vida. "Aprendi muito sobre os ventos. Quando o vento é sul, não dá para ir ao Bonete, porque as ondas ficam muito altas, entre três e seis metros. Também aprendi sobre o vento leste, que impede o desembarque na Ilha de Vitória e na Ilha de Búzios, pois o mar fica muito bravo. Aprendi a interpretar o tempo como os antigos caiçaras faziam", comenta.
A Secretária de Educação de Ilhabela, Lídia Sarmento destaca que a educação nas comunidades tradicionais do município não é apenas um processo de aprendizado acadêmico, mas também de fortalecimento da identidade caiçara. “Estamos comprometidos em oferecer um ensino que respeite as tradições locais, ao mesmo tempo em que prepara as novas gerações para os desafios do futuro. Cada formatura é a celebração do esforço coletivo de professores, alunos e suas famílias, que superam dificuldades diárias com dedicação e amor pela educação" expressa.
O esforço e a dedicação de todos os envolvidos são evidenciados com 24 formandos do ensino fundamental e 14 formandos de educação infantil realizadas nas comunidades tradicionais de Ilhabela somente em 2024.
Embora a beleza natural das comunidades de Ilhabela seja inegável, são as histórias dos profissionais que atuam com dedicação nas escolas que realmente encantam. A verdadeira beleza e força revelam-se na educação, que se torna um farol de esperança e transformação para essas comunidades.
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